Fotografias: Karine Menezes
Era uma vez duas meninas que gostavam muito da natureza. Gostavam dos bichinhos, das folhas, das flores, das árvores, do céu azul, da lama, da relva. Gostavam de cães e gatos, mas de sapos e salamandras também. Como todas as meninas, cresceram, mas não perderam o encantamento pela natureza: tornaram-se biólogas e continuaram a trabalhar com o que lhes enchia o coração.
Virgínia Duro, de 33 anos, trabalha em monitorização animal e é escuteira. Flávia Alves é mãe de Luísa e Teresa e também é escuteira. Depois da licenciatura em Biologia trabalharam juntas numa ONG em Braga, onde fizeram coisas tão diversas como recolher lixo marinho, monitorizar morcegos e acompanhar vítimas de violência doméstica. Juntas fundaram o projeto BioAventuras, um espelho do amor das duas pela natureza e pelas crianças. O objetivo? Proporcionar momentos de descoberta, encantamento e respeito pelo planeta Terra… a miúdos e graúdos.
“O contacto com a natureza faz falta a crianças e adultos. Se a criança não tiver um estímulo contínuo com a natureza, vai perder o encantamento. O papel do adulto não é só o de incentivar, mas também de proporcionar estes momentos”, explica Flávia. E qual é o “problema” de fundo aqui? O facto de grande parte dos adultos estar desligada da importância destes contactos. Por isso mesmo, as BioAventuras também realizam sessões e workshops para os mais velhos, para que possam recordar – e fazer renascer – o encantamento infantil.
Os percursos de descoberta que levam a cabo no Mosteiro de Tibães são um bom exemplo. Não são aulas, mas antes convites à exploração, ao uso dos sentidos, à descoberta.
“A verdade é que não proteges aquilo que não conheces. Tens que amar as coisas para protegê–las! Sentimos que às vezes é mais importante convidar o adulto a tocar nas árvores, no tronco e nas folhas do que dar-lhe apenas uma explicação exaustiva sobre a espécie que tem à sua frente. Às vezes ficam demasiado presos às aplicações no telemóvel ou aos livros…”, diz Flávia.
“Muitas vezes temos de falar com os pais e explicar que não somos animadoras. Não é o nosso formato, não é o nosso objectivo. Os pais estão presentes mas também não orientam, acompanham a brincadeira. A exploração e a iniciativa é toda da criança. Perguntamos mesmo aos pequeninos: o que querem fazer, o que vos apetece fazer?”
Conseguindo cativar e encantar os adultos, é certo que estes irão incentivar as suas crianças. Virgínia e Flávia lamentam que esta relação com a natureza em Portugal não esteja tão cimentada como noutros países em que a chuva não é impedimento para a brincadeira, por exemplo. Um bom impermeável e um banho quente resolvem a questão, diz Virgínia. Ambas sublinham a importância dos mais pequenos contactarem com os elementos naturais. E não é preciso ir para o meio da floresta!
“As crianças pequenas não querem coisas gigantes, têm aquele mundinho pequenino, à escala delas. Basta um pequeno espaço verde, um canteiro de flores, um pedacinho de jardim. As crianças nascem já com encantamento pela natureza, mas são como nós. Se não contactamos com alguma coisa frequentemente, acabamos por lhe perder o gosto, não é?”, questionam.
Mas que fazem, afinal, as “BioAventureiras”? Para começar, todos os meses levam a cabo uma sessão de “Natureza Colorida” na Braga Materna. Durante este tempo as crianças inscritas experimentam o doce sabor da liberdade em conjunto com a natureza. Apesar de ser uma actividade “indoor”, as biólogas levam a natureza para junto dos mais pequenos com folhas, galhos e tintas feitas a partir de ingredientes naturais. Deixam-se à porta as preocupações com a roupa imaculada: a única regra é a diversão.
“Os bebés e crianças são convidados a pintar, mas sabemos que está a correr realmente bem quando eles já dizem que estão a cozinhar, ou a fazer uma papinha para alguém. Isso para nós é sucesso, significa que já usaram a imaginação e criatividade e estão a criar a sua própria brincadeira”, explicam.
As duas sorriem quando questionadas sobre as reações a este exercício de liberdade. Virgínia explica que, por várias vezes, são as próprias crianças a não quererem sujar-se por não estarem habituadas. Ou a perguntar às biólogas o que devem fazer. Também não são raras as vezes em que os pais se afligem por ver os pequenos levar as tintas à boca. As biólogas sossegam-nos: não há ali nada artificial ou químico.
“Muitas vezes temos de falar com os pais e explicar que não somos animadoras. Não é o nosso formato, não é o nosso objectivo. Os pais estão presentes mas também não orientam, acompanham a brincadeira. A exploração e a iniciativa é toda da criança. Perguntamos mesmo aos pequeninos: o que querem fazer, o que vos apetece fazer?”, diz Flávia. Se a princípio estão mais acanhadas, quando as crianças percebem que podem guiar a brincadeira, transformam-se.
As paredes da Braga Materna ganham cor e vida. De repente há cozinheiros a confecionar as mais elaboradas refeições, capitães de barcos, mágicos que agitam as suas varinhas. Há músicos a tocar guitarra, fadas com asas brilhantes, exploradores e cavaleiros destemidos. O limite está na imaginação.
Para além das sessões de Natureza Colorida, o projeto BioAventuras fervilha de ideias e oferece mais atividades, todas elas sensoriais. Virgínia e Flávia levam a natureza até festas de aniversário, batizados, comunhões. Fazem workshops e percursos de descoberta no Mosteiro de Tibães, museus, bibliotecas e espaços lúdicos. Cozinhas de lama, detetives de animais, cozinha na floresta, coroas com folhas e flores, tudo ganha vida na mão dos pequenos e na ideia das duas escuteiras. Arranjaram até uma alternativa aos cartões-presente: dispõem de caixas-oferta, que não são mais do que um convite para brincar. Aqui também não entra o desperdício: a caixa pode depois ser um tambor ou uma arca de tesouros da natureza. Uma vez mais, a imaginação é o limite.
A periodicidade das atividades não é mais regular porque ambas gostam de espalhar “pozinhos de novidade e carinho” em cada atividade, que é sempre única, nunca se repete. No fim da Natureza Colorida, por exemplo, entregam sempre uma lembrança aos pais que constitui, ao mesmo tempo, uma provocação para que depois possam divertir-se com os filhos na natureza.
Apesar de terem crescido, Virgínia e Flávia mantêm aquela alegria contagiante das crianças. Virgínia já não atira rãs para a banheira enquanto a irmã toma banho, mas não consegue conter a gargalhada quando vê o afilhado de impermeável e galochas à sua espera, debaixo de chuva. Os olhos desta bióloga brilham de cada vez que fala de um animal e o sorriso ilumina-lhe o rosto. Flávia já não aparece em casa de calças rasgadas e joelhos esfolados, mas delicia-se nos piqueniques com as duas filhas bebés no pequeno jardim que há na sua rua, indiferente aos olhares de espanto de quem vê uma bebé de oito meses a brincar na relva. A filha mais velha já lhe segue as pisadas. Uns dias antes da nossa conversa, em passeio com a mãe, estendeu-lhe um pequeno ramo de árvore. “Olha, mamã, um tesouro! Vou levá-lo para casa, posso?”.
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