O restaurante Panorâmico, no Bom Jesus, não é novo. É bem conhecido dos bracarenses, aliás. Mas tem um novo Chefe Executivo, Albano Lourenço, que chegou há pouco – finais de Setembro – mas já está a revolucionar o espaço que oferece uma vista privilegiada sobre a cidade.
Cadentes ou não, as estrelas estão lá
Parte integrante do Hotel Elevador, da cadeia de Hotéis Bom Jesus, o restaurante apresenta uma cozinha tradicionalmente minhota que vê com este Chefe sabores mais aveludados.
Albano diz que começou a cozinhar por amor. Depois de cumprir o serviço militar obrigatório questionou-se sobre a vocação profissional. Na altura já se começava a falar dos circuitos de cozinha e tinha vários primos na área. Concorreu, juntamente com a namorada, à Escola de Hotelaria do Algarve, depois de esta não ter entrado numa primeira fase em Enfermagem. Entraram os dois. Um mês e meio depois, a atual esposa – a sua “cara metade” – foi chamada pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra para fazer lá a sua formação. A esposa regressou e Albano ficou no Algarve.
“Decidi que, se era aquilo que tinha escolhido, era aquilo que ia fazer. E foram dois anos fantásticos! O princípio da carreira é que não foi fácil, quis começar logo a ganhar dinheiro e acho que essa não é a forma certa de fazer as coisas. Fui trabalhar para Aveiro e estive lá treze meses incansáveis e doidos, até que percebi que não era aquilo de que precisava. Liguei ao meu chefe antigo e disse-lhe que precisava de aprender. Voltei a rumar ao sul. Digo muitas vezes às pessoas, aos alunos dos seminários que ministro, que há muito tempo para fazer e ganhar dinheiro, primeiro é preciso aprender”, diz, divertido.
Albano Lourenço trabalhou no Restaurante S. Gabriel, no Algarve, durante dez anos. Foi lá que ganhou a sua primeira estrela Michelin, em 1994, ainda o conceito das estrelas era pouco conhecido. O Chefe diz que na altura não foi um objetivo do restaurante, a distinção aconteceu casualmente. Quando deixou o S. Gabriel e partiu rumo à Quinta das Lágrimas, para o restaurante Arcadas, o pensamento já era outro. Quando ganhou a segunda estrela, em 2004, as emoções foram muitas.
“Foi ouro sobre azul, não se pode pedir mais, não é? É o reconhecimento de um empenho, um carinho por tudo aquilo que todos nós trabalhamos e dedicamos à causa. Eu, a brigada inteira, a administração… foi uma coisa fantástica! Trabalhamos todos para o mesmo, muito focados… foi incrível”, descreve.
O restaurante viria a perder a estrela em 2012, mas Albano diz que o acontecimento não lhe causa pesadelos, por muito que o tenha aborrecido na altura. “Faz parte do ciclo da vida: conquistá-la é difícil, mantê–la difícil é, perdê-la é num instantinho”, brinca. O Chefe afirma continuar a simpatizar muito com o conceito da Michelin e explica que, sendo a marca uma empresa, precisa de satisfação. E essa só os clientes a podem dar, por isso é de sobeja importância saber o que pensam da cozinha todos aqueles que se sentam num restaurante a almoçar ou jantar.
Panorâmico, acolhedor, convidativo e… para todos
Quando recebeu o convite para assentar arraiais no norte, Albano não hesitou muito. O convite era desafiante e a proximidade de casa também. O Chefe Executivo veio sozinho: para trás ficaram esposa e duas filhas.
“Agora tenho de fazer este caminho sozinho, até por questões familiares. Os meus pais e os meus sogros já têm uma certa idade e, apesar de estarem todos bem, carecem sempre de alguns cuidados. Como a minha esposa é enfermeira faz o acompanhamento deles. A família apoia-
-me a 100% em relação ao sítio que eu decidir ser o melhor para mim. A vida familiar mesmo o que me motivou a sair do Algarve: faço 55 anos para o ano e estar sozinho já não é a mesma coisa. Assim estou mais perto de casa e sempre que posso dou lá um salto”, explica.
Quando chegou a Braga, admite ter ficado um pouco espantado. Chegou numa altura em que os turistas eram aos magotes, centenas de cada vez. “Isto é uma romaria, é pior que Fátima!”, brinca. Percebeu de imediato que teria de agradar a vários gostos e que o restaurante teria de ser capaz de proporcionar conforto semelhante a refeições de grupos muito grandes e grupos mais pequenos. Quem conhece o Panorâmico já lhe nota pequenas mudanças. A zona do bar está mais leve, com novos apontamentos decorativos e tons diferentes, mais convidativos a um copo “e dois dedos de conversa”. As mesas já começaram a sofrer uma reorganização tendo em conta o número de pessoas que deseja saborear uma refeição. Ideias não faltam.
“Roma não se fez num dia e isto tem de ir devagarinho, as coisas levam o seu tempo. Quero pôr as minhas ideias a funcionar, mas perceber também como as pessoas reagem a essas mesmas ideias. Tenho de perceber como posso encaixar aqui uma multidão e as pessoas que vêm sozinhas, ou com dois ou três familiares, e querem um almoço sossegado. Quero que as pessoas, todas elas, saiam daqui satisfeitas”, diz. Os preços que a cidade pratica também serão tidos em conta: o Chefe não quer pensar em valores mirabolantes para o Panorâmico, apesar de reconhecer que a qualidade tem de ser paga.
Mudar loiças e renovar têxteis, fazer um refresh na pastelaria servida, construir uma boa garrafeira e abrir uma esplanada são alguns dos projetos no avental do Chefe. Albano diz que se vai servir, pelo menos no início, da ajuda de amigos – o caso do escanção é um deles – e de pessoas que fizeram parte ou pautaram a sua vida profissional. As preocupações são muitas, com todos os pormenores da cozinha – a começar pela compra dos ingredientes – a passarem por ele.
“Não sou Chefe de Cozinha, sou Chefe Executivo. Ou seja, tudo o que está ligado a comida e vinhos passa por mim: sala, cozinha, economato, tudo! Mas também sei que tenho de respeitar as pessoas que trabalham aqui, algumas há mais de vinte anos. Tenho que dar–me a conhecer, ver se as pessoas gostam de mim, se compreendem aquilo que estou a fazer, se é fácil ou difícil para elas lidar com as mudanças”, explica.
O trabalho em equipa é fundamental para qualquer restaurante, justifica. E para chegar a uma estrutura sólida, capaz de trabalhar, precisa de pelo menos um ano e meio com a brigada, de tal forma que a certa altura já só seja necessário olharem-se nos olhos para se perceberem. Diz que a cozinha é para ser partilhada, que quando há ajuda, há amor.
Do sul ao norte, a tradição é para manter
O Chefe Albano Lourenço diz que a sua cozinha é de autor, mas muito enraizada nas tradições do país que melhora através dos processos de confeção. O segredo está em aproveitar e transformar. Os desafios do norte não o assustam.
“O povo de cá é conhecido por gostar de alguns pratos típicos como a feijoada. São pratos mais pesados e parece haver um pouco de preconceito em relação ao que é mais gourmet. Mas mesmo com a feijoada isso é possível! A minha dificuldade está em encontrar os ingredientes típicos desta localidade. O Algarve nisso é mais prático, temos as laranjas, a amêndoa, e por aí fora”, diz.
Albano gosta muito de peixe, ou não lhe tocasse uma “costela algarvia”. E o bacalhau – prato muito confecionado em Braga – é um amor de sempre e para sempre. Diz que o tradicional peixe é conforto e que o aprecia seja de que forma for. A filha mais nova costuma brincar e dizer que quando o pai está em casa já sabe o que vai ser o jantar: bacalhau. De preferência simples, cozido. O chefe assume-se como um homem de gostos simples e isso também se traduz na cozinha.
“Às vezes levo amigos meus para onde não devo. Nomeadamente os jornalistas, ou pelo menos alguns deles. Há dois anos recebi um casal de jornalistas amigos e levei-os para a praia do Cavalo Preto. O meu compadre vai para lá, tem tendas e outras coisas do género. Tenho montes de amigos que lá vão para uma caracolada, foi para onde os levei. Saí de lá todo envergonhado porque aquilo é tudo gente de cervejolas e de dizer asneiras. Mas é para ali que eu vou, é esse o meu mundo. E eles adoraram aquilo!”, graceja.
Na carta do Panorâmico haverá bacalhau certamente.
E atum. E polvo. E carnes. E outras surpresas, empratadas com requinte e glamour. Se há certeza que Albano também deixa, é a de que “nenhum cliente passará fome”, outro preconceito que parece estar associado ao gourmet.
Sobre uma futura estrela Michelin? Albano diz que é difícil, não depende só dele, mas do esforço de todo um conjunto, que há sinergias que têm de ser pautadas. Antes disso é preciso todo um trabalho de base, com investimento estrutural, em recursos humanos e clientes. Quer integrar-se na cidade, conhecer as pessoas. Não diz que nunca irá beber determinada água, mas há várias coisas a pensar primeiro.
“Queria fazer um jantar a quatro mãos com outros chefes de Braga. Com alguns deles! Não sei quem é o mais carismático, mas escolhemos dois e fazemos pratos diferentes. É giro para a cidade! Ou, por exemplo, chamar o D. Jorge Ortiga para vir cozinhar comigo… Era uma coisa engraçada! Queria fazer uma antecipação do Dia dos Namorados, porque há de ser só no dia 14 de fevereiro? Pode ser agora! Vamos lá arranjar calendário”, atira, entusiasmado.
Restaurante Panorâmico
Hotel Do Elevador
Largo do Santuário do Bom Jesus, 4710-455 Braga
t. 253 603 400