Entre a matéria e o silêncio, Adriana Henriques habita o intervalo onde tudo acontece, onde o gesto se transforma em linguagem e o tempo, em respiração. Fala com a serenidade de quem aprendeu a escutar o que não se diz e a traduzir o invisível em forma, cor e palavra. Vive em transição, entre o que foi e o que ainda está a nascer, e encontra na arte, na escrita e na contemplação do mundo o seu território natural. EM OFF, revela-nos fragmentos de si: a música que a acalma, o prato que sabe a casa, o livro que a fez pensar com o corpo, e o medo mais íntimo: o de perder o encantamento.
Qual seria o título da sua autobiografia?
Entre a Matéria e o Silêncio. É nesse intervalo que tudo o que sou acontece.
Se pudesse viver dentro de um filme, qual escolheria?
The Hours – pela forma como o tempo se dobra em pequenos gestos e se torna vida.
Uma palavra que a descreve, atualmente?
Transição. Entre o que fui e o que ainda está a nascer.
Qual é a sua música preferida?
Clair de Lune, de Debussy. É como se a luz ganhasse som – arrebatadora e serena ao mesmo tempo.
Quem gostava de ter como convidada num jantar?
Louise Bourgeois. Falaria pouco, mas cada palavra dela seria matéria bruta.
Se só pudesse comer um prato para o resto da vida, qual seria?
Cozido com feijão, o prato tradicional de Vieira do Minho. Sabe a casa, ao fumo do inverno e às mãos que cozinham devagar.
Café ou chá? Com ou sem açúcar?
Café, preto, direto, sem açúcar. É o meu primeiro traço no dia.
Qual é a sobremesa que nunca consegue recusar?
Rabanadas – pelo cheiro a Natal e pela memória de família que mora em cada fatia.
Verão ou inverno? E porquê?
Inverno. Gosto do recolhimento e da respiração lenta das coisas.
Um livro que a marcou?
A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera. Lembra-me que o corpo também pensa.
Qual é a sua cidade de eleição?
Braga e Lisboa. Pela luz que muda tudo e pela memória que nunca se apaga.
O que não pode faltar na sua mala ou mochila?
Um caderno e um lápis. Preciso de um espaço onde as ideias possam respirar.
Qual seria a sua habilidade superpoderosa?
Suspender o tempo no instante em que encontro beleza.
Qual é a primeira coisa que vê no telemóvel de manhã?
As horas. E o céu, se tiver sorte.
Se pudesse dominar instantaneamente uma nova língua, qual seria?
Japonês. Admiro a contenção e a delicadeza que o gesto carrega nessa cultura.
Qual é o seu lema de vida?
Fazer com verdade ou não fazer. Tudo o resto é ruído.
O que faz para se animar num dia mau?
Pinto sem pensar. Ou caminho até o corpo esquecer o peso.
Preferia viajar para o passado ou para o futuro? Porquê?
Para o futuro. Gosto da vertigem de não saber o que vem a seguir.
Viagem de sonho?
Deserto do Atacama. Quero escutar o som do silêncio.
Clube do coração?
Sou mais de cores do que de clubes.
Qual foi a coisa mais inesperada que aprendeu recentemente?
Que parar também é um gesto criativo.
Qual é o seu guilty pleasure (Ou seja, que coisa gosta tanto de fazer, mas gosta pouco de confessar)?
Ver programas de restauro de casas antigas pela noite fora. Há poesia em ver o tempo reparado.
Qual o maior medo que tem?
Perder o encantamento.
Quem é o seu ídolo?
Leonora Carrington. Fez da imaginação um refúgio e uma arma.
Uma memória que nunca esquecerá?
O cheiro da tinta na primeira vez que pintei sozinha. Foi aí que percebi que o mundo podia caber num gesto.
